
A rua tornou-se longa, e ele andava vagarosamente como se quisesse provocá-la a esperar mais uns minutos. Puxou o trinco do portão com um barulho metálico e o empurrou rangendo para poder passar... Andou sobre o concreto para não estragar os agapantos purpúreos que ela cuidava com tanto afeto. Agora não era o calor que enxarcava as mãos dela, um arrepio subiu pela sua espinha passou pela sua nuca e seus braços, mas ela se manteve firme, mal remexeu os pés que estavam para fora da rede multicolorida calçados com uma sandália dourada. Encostou a mala de viagem no pilar e caminhou até onde ela estava, colocou o punho sobre a rede e a balançou vagarosamente.
- Porque vens tão devagar?
- Porque não me esperas no portão como uma namorada anciosa e não sai correndo ao meu encontro quando me vê?
- Você sabe... Eu não sou um anjo.
- Sim, eu sei... Por isso que me apaixonei por ti... Mas tu sabes que eu também não sou angelical... Não esperavas que eu viesse correndo pros teus braços né?
- Não, não esperava... Mas parece que fazes só para provocar-me.
- Engraçado como sabes dessas coisas...
- Bá... Deita-te logo, vá... Que não me caibo em saudades de ti.
- Nossa, como estamos carinhosos...
- Como se eu não o fosse...
- Eu sei, amor... Estou brincando...
Pousou-lhe um beijo estalado na testa, colocou as mãos em seu queixo e levantou até seus olhos nivelarem-se. Nunca haviam olhado daquela forma para ninguém. Os olhares promíscuos de sempre deram lugar a ternura; nenhum dos dois entendeu, nenhum dos dois sequer percebeu que retribuia o olhar na mesma moeda.
- O que foi?
- Não sei... Você me olhou que nem o professor Girafales olha pra Dona Florinda...
- E você me olhou que nem a Dona Florinda olha pro professor Girafales...
- O que significa isso, Fá?
- Não sei... Mas vendo você me olhando assim... Faz eu sentir que quero-te sempre por perto... Que é a mulher da minha vida... E eu te amo...
- Você nunca disse que me ama... - e nessa hora, seus olhos marejaram-se.
- Eu sei, mas eu te amo...
- Eu também te amo.
Eles beijaram-se... Nunca é tarde nem cedo demais para dizer para alguém que você a ama... Não tem dia, nem hora e nem lugar certo... Não há luz ideal... Pois cada um sonha em ouvir o seu "eu te amo" num lugar diferente... E não importa nada... Só quem fala... Nada mais...
Descolaram-se do beijo... E olharam-se muito fundo...
- Amor, tudo isso foi muito fofo... Mas entra na rede agora, vai?
Ele sorriu como se não pudesse imaginar algo melhor para ser dito naquela hora. Puxou as cortinas da varanda e deitou na rede. Os vidros embaçaram-se... A fusão de sentimentos e pessoas divergentes fazia daquela relação peculiar algo imortalizado nos corações deles...
"– Como é que pode, digo-me com espanto
A luz e a treva se quererem tanto..."
(Vinicius de Moraes)