segunda-feira, 10 de maio de 2010

Dúvida


A menina caminhava a esmo pelas ruas e avenidas da cidade. A noite nevoenta, sem Lua nem estrelas já havia caído há tempo. Os faróis dos carros iam e vinham vermelhos e brancos riscando as ruas sem fim.
Sentiu as pernas cansadas. Não havia bancos; procurou um lugar mais sossegado... Afastou-se dos carros e da multidão, encontrou uma esquina tranquila e sentou-se no meio fio. Bufou, pressionou a ponte do nariz com o indicador e o polegar enquanto cerrava os olhos longamente para descansá-los.
Após algum tempo quis saber onde estava, levantou o olhar buscando uma placa. Estava sentada no cruzamento entre a Rua da Razão e a Rua da Emoção e havia ainda outra placa que marcava “Esquina da Dúvida”.
Era verdade... Andara tanto tempo pelas duas ruas e gostava muito delas, mas naquela ocasião não sabia que caminho tomar.
Bufou outra vez... Seu olhar vagava entre os dois caminhos. Massageou as têmporas. Não tinha pressa.
Algumas pessoas passaram por ali escolhendo seus caminhos. Muito tempo depois ouviu passos num ritmo anormal, um andar arrastado. O senhor parou ao seu lado.
- Bom dia, menina.
- Bom dia? Mas ainda é noite!
- Já é dia. Ou quase dia.
- Hum... Então bom dia para o senhor.
- Posso me sentar ao teu lado?
- Claro.
Duvidando muito que o velhinho de mais de noventa anos conseguisse sentar-se no meio fio sem fraturar a bacia, surpreendeu-se com sua agilidade e com o conforto que transpareceu quando ali se acomodou, como se aquele lugar fosse dele.
Vendo o espanto da garota, ele sorriu. Puxou uma carteira de cigarros rubra. Acendeu um e se curvou para a menina gentilmente.
- Aceita um?
- Sim, obrigada.
- Qual é a vossa graça, senhorita?
- Elisabete. E a vossa?
- Humberto.
Durante algum tempo eles fumaram em silêncio. O Sol começou timidamente a surgir no horizonte. Ela estava perdida em pensamentos quando foi desperta.
- Não vai escolher um caminho?
- Não tenho pressa.
- Eu também não.
- Como assim?
- Eu moro aqui.
E apontou uma construção clássica e imponente. A garota olhou atônita e, diante de seu espanto, o homem prosseguiu.
- Cheguei aqui com quinze anos e encontrei um senhor que morava aqui. Eu não sabia que caminho tomar, então parei aqui e fiquei. O homem morreu e eu fiquei com a casa. Todos os dias eu tento escolher o caminho... Mas é tão difícil... A Rua da Razão é lisa, reta, cinza... Mas é muito segura e a Rua da Emoção é tão colorida e alegre... Mas é muito tortuosa e perigosa. Eu já tinha passeado nas duas, mas chegou o momento em que eu tinha que escolher... Ainda estou aqui.
- Tanto tempo?
- O tempo nada significa, ele escorre rápido demais... O único problema é que eu não sei onde terminam estes caminhos... Tenho medo, mas tu me parece corajosa.
- Não tanto... Também já andei pelas duas... Da Rua da Emoção sempre saio machucada e da Rua da Razão, entediada. Dor ou tédio... O que seria pior?
- Pensando assim, acho que a dor é pior. A dor da emoção nada ensina... O coração só sabe amar, suportar ou doer. E apesar de ser um sentimento, ele é tão grande que invade a Rua da Emoção... Nada escapa dele... O amor um pouco racional é menos ou nada doloroso. Você ama alguém?
- Sim... Amo tantas pessoas e de tantas formas diferentes... Mas se você diz amor, amor de homem e mulher, ele está ali... O menino bonito ali no começo da Rua da Razão. Está vendo?
- Aham... Eu também amava uma moça... Ela estava me esperando ali naquele mesmo lugar... Mas um dia ela se cansou e foi embora. Eu perdi toda a razão e toda a emoção que eu poderia ter na vida.
- Então porque não se decide? O senhor não tem algum sonho?
- Eu já perdi tudo... Na placa você vê “Esquina da Dúvida”, eu vejo “Esquina da Desilusão”. Isso é mais medonho que dor ou tédio... Isso acontece com pessoas que não sabem o que querem ou querem demais as duas coisas... Tem que haver um equilíbrio...
- Então porque ficou aqui por tanto tempo?
- Quando percebi, já era tarde demais para me embrenhar fundo em qualquer um dos caminhos... Eu vivo nos dois superficialmente e aqui... Desiludido por não ter nada fixo nem ninguém na minha vida... Eu me perdi na minha própria dúvida... E no meu anseio de saná-la, acabei preso no meu próprio sofrimento.
- Será que se eu ficar um pouco aqui vou me perder?
- Fique à vontade... Mas não se demore... Já já vai escurecer...
"Que caminho seguir?" pensou ela... E continuou a olhar os caminhos com o senhor Humberto.

Um comentário:

Krika disse...

"Quando a gente não sabe o que quer, não percebe quando encontra"
=S


Tava com saudade dos teus textos guria

Cuide-se

Amo tu!
;)