segunda-feira, 6 de dezembro de 2010


Adormecera no chão, o Sol havia caminhado no céu e uma nesga de sua luz a fazia suar
adormecida. O mundo lá fora corria e caminhava, e ela estava em um universo outro
desfrutando de lembranças editadas involuntariamente.
A luz e o calor a fizeram despertar com a cabeça explodindo, um mal estar, a boca seca e o
corpo marcado pelas nervuras do piso de madeira. Esticou-se e sentiu tudo isso de forma mais
aguda, somente uma palavra vinha à sua mente: banho.
A preguiça e o desconforto brigavam, de um lado o banho e do outro a calmaria. Resolveu
agradar aos dois... Ficaria mais um pouco ali e depois se levantaria; contudo um ruído
incômodo frustrou seus planos... Era o telefone.
Suspirou profundamente, tomou coragem e foi atendê-lo.
- Alô.
- Lis?
- Quem é?
- É o Diogo. Tudo bem?
- Hum... Aconteceu algo?
- Você está bem?
- Estou ótima, mas aconteceu algo?
Houve uma pausa e os dois sabiam o porquê, o silêncio era melancólico e gigantesco.
- Na verdade só queria saber se você não queria ir ao cinema comigo...
- Isso é uma tentativa de pedir desculpas?
- É...
- Não vai funcionar.
E bateu o telefone.
Não era orgulhosa, mas havia certas faltas em que ela não considerava o perdão, o perdão é divino e ela com certeza está muito longe disso.
Nem percebeu a hora passar,quando foi tomar banho a tarde já ia embora e o horizonte já estava tingido de bordô com os últimos raios tímidos que o Sol jogava por sobre os prédios da cidade e escureciam sutilmente para o negrume que se formava acima.
Ficou um tempo considerável sob a água morna pensando. Nada parecia caminhar... Por mais que tentasse, por mais que se esforçasse, nada parecia trazer algum retorno. A vida profissional estava mais ou menos e a pessoal uma bagunça enorme.
Era um sábado, havia recusado seu único convite para fazer algo. "Quem disse que eu preciso de alguém para sair?!" Decidiu sair sem rumo e sem ninguém. Desligou o chuveiro com um arranhar metálico. Secou-se, abriu o guarda-roupa, suspirou e ficou olhando para suas calças... "Qual?" Um shorts jeans básico, regata branca, all star vermelho, acessórios.
Queria ir pra longe, onde não encontraria ninguém conhecido. Pegou o capacete, uma jaqueta, as chaves e a bolsa.
Decidiu que o melhor seria sair da cidade e foi seguindo as placas que levavam ao litoral norte... Queria uma cidade movimentada a noite... Não era temporada, se fosse para qualquer praia, a encontraria deserta. Considerou a idéia de ficar sozinha vendo o mar e fumando. Mas na verdade ela queria alguém para conversar. Alguém que não soubesse nada dela, que não ficasse julgando suas atitudes, que apenas sorrise e dissesse algo doce e encorajador... Uma tarefa quase impossível.
Parou num posto, encheu o tanque, foi no restaurante para tomar um refrigerante... Os azulejos há muito brancos, entavam amarelados, uma camada grossa de poeira depositava-se no chão de piso terracota, alguns homens fétidos comiam algo também fétido num canto. Era um local bem deprimente. O atendente a serviu, algum tempo depois dirigiu-se a ela.
- Ei moça.
- Sim?
- Para onde está indo sozinha.
- Não sei...
- Como não sabe?!
- Queria passear, creio.
- Ah, então vai para Maresias... Os jovens gostam de lá.
- Bom conselho... Fica muito longe?
- Não, mais uns quarenta minutos na estrada a senhorita chega.
- Obrigada. Até mais.
- Por nada.
Sorriu um sorriso amarelado e um pouco nojento, mas simpático.
Ela chamou um pouco de atenção por causa de sua moto, era um modelo antigo modificado, era púrpura e os metais cromados reluziam sob a luz do local.
Deu partida e com um ronco alto do motor foi embora. A noite estava extremamente quente e ideal para andar de moto. A jaqueta estava na bolsa. A Lua estava linda e minguante no céu com poucas nuvens e poucas estrelas.
O ar salgado começava a encher seus pulmões e uma sensação de euforia começou a tomar sua mente.
Antes de procurar um hotel, antes de procurar um bar, ela queria mesmo molhar os pés na água... E assim o fez, deixou os sapatos, o capacete e a bolsa no compartimento da moto, colocou a chave no pescoço e foi.
Ninguém estava na praia, mas estava tudo bem iluminado por postes a perder de vista pela orla, a areia estava fina e gostosa e ia ficando mais densa e úmida conforme se aproximava das ondas que se transformavam em pequeninas marolas.
A água estava extremamente agradável; resultado de um dia inteiro de Sol. Cerrou os olhos, suspirou profundamente, sentiu o cheiro do sal e o vento. Caminhou até a água estar em seus joelhos e parou. Ficou ali um bom tempo, sentindo como se toda a angústia estivesse indo com as ondas.
Sentiu uma mão em seu ombro, virou-se bruscamente, já preparada para correr e gritar(também considerou a opção socar), mas o rapaz sorria calmamente, o que a deixou ressabiada, mas sem medo. Ficou atônita observando calada, esperando que ele dissesse o que queria.
- Aquela moto é tua?
- Sim.
- É linda.
- Obrigada.
- O que está fazendo aqui sozinha?
- Olhando o mar... Somente.
- Você quer beber algo?
- Pode ser... Mas qual seu nome?
- Filipe, e o teu?
- Elis. Prazer.
Somente nesta hora ela se deu conta que havia outra moto ao lado da sua e era ainda mais fascinante. Era uma moto preta clássica, estilo aquelas do American Chopper. Estacou por um átimo depois voltou a caminhar rumo ao calçadão.
- Quer uma toalha para secar os pés?
- Aceito sim, obrigada.
Ele tirou uma toalha verde de dentro de um compartimento da moto ela pegou o tênis, rumou a um chuveiro, a água fria lavou a areia, ela se secou, colocou os calçados.
- Obrigada... Você conhece algum hotel bom?
- Sim, alguns.
- E algum bar?
- Sim, muitos.
- Recomenda algum?
- Se conseguir me acompanhar tu chega lá.
Disse com um sorriso.
Foram pela noite quente, os dois muito rápidos, as ruas não estavam cheias. Ele encostou
defronte a um bar com iluminação azulada. Era muito bonito, com vasos marrons cheios de folhas verdes e grandes, tinha bastante gente dentro.
Pegou a bolsa, guardou o capacete, ligou o alarme e foi para a entrada com seu novo amigo. Era normal conhecer pessoas estranhas, parecia que havia uma aura convidativa em volta dela para pessoas desconhecidas.
Sentaram-se em um espaço aberto e bem ventilado para fumantes, ele pediu um whisky e ela uma batida de frutas. Conversavam sobre assuntos triviais.
- Eu estava sozinha, mas você também... Por que?
- Eu também queria passear... Você também não é daqui, né?
- Eu não, mas achei que você era.
- Não... Mas venho de vez em nunca esfriar a cabeça.
- E ela precisa ser esfriada?
- Sim... Você está me ajudando.
- Se eu tocar no assunto atrapalharei?
- Talvez.
- Então caso queira me contar... Estou ouvindo. Senão, voltamos a assuntos mais leves.
- certo, por hora, assuntos mais lever então.
Os problemas realmente ficaram esquecidos na noite calma e tranquila que passaram. Ninguém mais tocou no assunto.
Na manhã seguinte havia uma bandeja com café da manhã completo e um bilhete.
"A conta está paga, você dormia tão profundamente que não tive coragem de acordá-la, mas preciso realmente ir."
E um número de telefone.
Mais um número.

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